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Mudança no Código Penal: Homem pode ser estuprado

07/10/2009 - Atualizado em 09/10/2009 09h28

Em reportagem desta terça-feira, o Portal Caparaó noticiou o caso em que dois homens estupraram um lavrador em Alto Jequitibá. Vários e-mails e ligações chegaram a nossa redação “alertando” para um "erro" - que estupro só seria concebido entre homem e mulher.  O Portal Caparaó, mantendo-se atualizado, explica que o Código Penal foi modificado e a nova regra não faz a distinção entre homens e mulheres. Em outras palavras, a partir de agora, está correto dizer que um homem foi estuprado. Leia os detalhes.

No inicio de agosto, o artigo do Código Penal que definia estupro foi modificado. Até então, tinhamos estupro e atentado violento ao pudor. Apenas uma mulher podia ser estuprada. E mais: estupro apenas ocorria se houvesse penetração do pênis na vagina. A partir de agora, estes dois crimes passam a ser um só: estupro.

Leia a matéria que causou a repercussão

A nova lei diz: “Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.

O Portal Caparaó agradece a audiência e os vários e-mails alertando para a questão e outros elogiando a postura do site.

Leia o artigo sobre o tema:

A nova lei do estupro. O homem e a mulher como sujeitos ativo e passivo e o abrandamento punitivo

por José Ricardo Chagas Introdução

O vil delito de estupro, que sempre representou a principal expressão de violência contra as mulheres, uma vez que era um crime de homens contra mulheres, acaba de ganhar nova roupagem. A lei nº. 12.015 de 7 de agosto de 2009 revoga o art. 214 do CP e altera o art. 213 do mesmo diploma. Assim, ainda que buscando fundamentação jurídica para esta alteração, o fato é que o homem passa a ser sujeito passivo do crime de estupro, bem como a mulher ganha status de sujeito ativo do mesmo delito. Ainda, demonstrando tecnicismo limitado, consegue o legislador criar uma lei mais benéfica ao autor do delito em comento.

Da legislação[1] Eis a alteração em tela:

Estupro

Art. 213 Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça:

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

Nova redação:

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

Atentado Violento ao Pudor

Art. 214 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal:

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

Art. 213 O homem como sujeito passivo Durante muito tempo ouvimos a aberração jurídica de que “fulano” havia sido estuprado. Essa ignorância e impossibilidade jurídica deixou de existir. Com o advento da novel lei, o abuso sexual copular contra o homem adquire tipificação de estupro. Dessa forma, qualquer pessoa (“alguém”), e não apenas a mulher, é sujeito passivo do crime de estupro, tipificado no art. 213 do CP. No artigo de lei alterado, o legislador detinha o crime de estupro à vítima mulher. Ainda, trazia como elementar do crime a conjunção carnal, ato apenas possível com a cópula vaginal. Corroborando com este entendimento basta a leitura simples do então revogado art. 214, onde se distinguia do art. 213, principalmente, na elementar “ato diverso da conjunção carnal”. Ou seja, a conjunção carnal sempre fora um atributo jurídico relativo a mulher.

Destarte, o novo art. 213 contempla a conjunção carnal como sendo uma das elementares do crime de estupro, porém, não mais atribui apenas à mulher essa condição passiva, tornando o homem sujeito passivo deste delito. Ou seja, a conjunção carnal não mais está intrinsecamente atrelada à cópula vaginal. Assim, a conjunção carnal deve ser então entendida como sendo o ato sexual de cópula tanto vaginal como anal, contra o sujeito passivo homem ou mulher.

A mulher como sujeito ativo

Segundo lição do festejado professor Damásio de Jesus, "somente o homem pode ser sujeito ativo do crime de estupro, porque só ele pode manter com a mulher conjunção carnal, que é o coito normal."[2] Também, Celso Delmanto: "Sujeito ativo: Somente o homem."[3] Esse era o entendimento majoritário e mais aceitável da doutrina e jurisprudência pátria. De certo que novo entendimento doutrinário está por ser sedimentado.

O novo artigo de lei uniu parte do texto do revogado art. 214 com o antigo art. 213, lhe dando o legislador nova tipificação. Assim, o legislador não alterou a conduta de manter conjunção carnal como uma das elementares do crime, mas acrescentou ao rol de condutas típicas do crime de estupro, praticar ou permitir que com ele (“alguém”– sujeito passivo) se pratique outro ato libidinoso.

Assim, como no crime de atentado violento ao pudor o sujeito ativo e passivo podia ser personificado tanto por homem como por mulher, não destarte, o novo art 213 também o é.

Corroborando com o nosso entendimento:

“O tipo penal do art. 214 é constranger alguém. Sendo impessoal o tempo verbal do enunciado típico, pode o sujeito ativo ser, indiferentemente, qualquer pessoa, ou seja, homem ou mulher. (TJSP – AC – Rel. Correa Dias – RT 619/277) “No atentado violento ao pudor a tutela jurídica objetiva tão somente o pudor da vítima, que também poderá ser o homem, e não apenas a mulher.” (TJSP – EI – Rel. Xavier Homrich – RT 346/348). Revogação do Art. 214 e a Novatio legis in mellius A Novatio legis in mellius é uma terminologia empregada quando há a publicação de uma nova lei que revoga outra anteriormente em vigência, beneficiando de alguma forma o condenado. Eis o que literalmente alcançou o legislador, concedeu a milhares de condenados o direito a revisão criminal e consequentemente a diminuição de suas sentenças. Vejamos. O autor do crime de estupro quando o praticava em concurso material ou formal, ou até mesmo em sede de continuidade delitiva com o crime de atentado violento ao pudor, tinha sua pena aumentada significativamente, o que era festejado pela sociedade, tendo em vista a gravidade do delito. Um exemplo prático, tomando-se por base o concurso material e as penas bases dos delitos em tela, temos seis anos para o estupro e seis anos para o atentado violento ao pudor, perfazendo-se uma pena de reclusão de doze anos para o autor. Com o advento da lei em comento, desaparece o segundo artigo, atentado violento ao pudor, uma vez que este fora juntado ao artigo 213, estupro. Ou seja, o autor será condenado apenas à pena de seis anos.

Assim se manifestavam, acerca dos delitos em tela, os tribunais superiores: que apesar de possuírem a mesma natureza, estupro e atentado violento ao pudor eram crimes de espécies distintas.

"STJ. HC 102362 . PENAL. HABEAS CORPUS. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. PROGRESSÃO DE REGIME. REITERAÇÃO DE PEDIDO. WRIT PREJUDICADO. ALEGADA CONTINUIDADE DELITIVA. INOCORRÊNCIA. CONCURSO MATERIAL. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE EXAME COMPARATIVO DE DNA. INOCORRÊNCIA. DISCRICIONARIEDADE REGRADA DO MAGISTRADO. PROVAS SUFICIENTES PARA A CONDENAÇÃO. I (...). II - Se, além da conjunção carnal, é praticado outro ato de libidinagem que não se ajusta aos classificados de praeludia coiti, é de se reconhecer o concurso material entre os delitos de estupro e de atentado violento ao pudor. A continuidade delitiva exige crimes da mesma espécie e homogeneidade de execução. III - (...). Habeas corpus parcialmente conhecido e, nesta parte, denegado."

" STF. HC 91370 . DIREITO PENAL. CRIMES DE ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. MESMA VÍTIMA. CONCURSO MATERIAL (E NÃO CRIME CONTINUADO). 1. O Direito Penal brasileiro encampou a teoria da ficção jurídica para justificar a natureza do crime continuado (art. 71 , do Código Penal ). Por força de uma ficção criada por lei, justificada em virtude de razões de política criminal, a norma legal permite a atenuação da pena criminal, ao considerar que as várias ações praticadas pelo sujeito ativo são reunidas e consideradas fictamente como delito único. 2. "Não há falar em continuidade delitiva dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor" (HC nº 70.427/RJ , Ministro Carlos Velloso, 2ª Turma, DJ 24-9-1993), ainda que "perpetrados contra a mesma vítima" (HC nº 688.77/RJ , Relator Ministro Ilmar Galvão, 1ª Turma, DJ 21-2-1992). 3. A hipótese dos autos demonstra que, em relação às duas vítimas, os crimes de atentado violento ao pudor não foram perpetrados como "prelúdio do coito" ou meio para a consumação do crime de estupro, havendo completa autonomia entre as condutas praticadas. 4. Tal solução não ofende as diretrizes da política criminal voltadas ao cumprimento dos objetivos expressos na Constituição da República, acentuando a própria circunstância da hediondez das condutas havidas pelo paciente por ocasião dos fatos referidos na ação penal a que respondeu, que vitimaram duas mulheres. 5. Ordem de habeas corpus denegada."

Dessa forma, todo preso, condenado por continuidade delitiva ou concurso de crimes, autores dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, terão suas sentenças revisadas a menor, o que acarretará a liberdade a centenas de condenados. É um caso típico de retroatividade da lei penal em razão de novatio legis in mellius. Ainda, aos casos futuros, não há mais que se falar em concurso formal ou material de crimes, mas tão só num crime único, vez que a conjunção carnal e atos libidinosos geograficamente fazem parte do mesmo tipo penal.

Conclusão

Lamentavelmente o legislador mais uma vez, numa patente falta de tecnicismo jurídico, cria num malabarismo, benevolências aos apenados nos crimes de estupro e atentado violento ao pudor. Resta abalada a segurança jurídica com procedimentos dessa natureza.

Notas

[1] Presidência da República – Casa Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12015.htm

[2] JESUS, Damásio de. Direito Penal, 13a ed., Vol. 3, pág. 95.

[3] DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado, 3a ed., pág. 349.

Revista Jus Vigilantibus, Quinta-feira, 3 de setembro de 2009

 

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