Desde que uma equipe da Polícia Civil de Belo Horizonte divulgou que a morte de Bernardo Mendonça foi contratada pelo próprio morto para que deixasse 2,5 milhões de reais para sua família, o advogado afirma que ficou indignado com o palco digno de uma novela, montado para reconstituir algo que não aconteceu.
Reinaldo Magalhães e um grupo de profissionais liberais, empresários e policiais aposentados decidiram foram a Organização Não-governamental (ONG) Impunidade Zero. “Estamos preocupados com crimes ocorrendo em Manhuaçu e região que não são apurados. Há necessidade de muita pressão política e muita movimentação popular para que a polícia tenha liberdade para trabalhar. Chegamos à conclusão que Manhuacu não pode ficar sujeita a essa situação. Os crimes ficam dependendo de ir a Belo Horizonte pedir providências”, reclamou.
Segundo ele, o resultado da polícia no caso Bernardo foi revoltante: “Eu posso te afirmar o seguinte: a desastrosa conclusão da polícia foi o que motivou a criação dessa ONG. Nós ficamos revoltados quando vimos um delegado de polícia novo, chegar na cidade, fazer prisões no sábado e anunciar que tem outros crimes, conexões e quem foi o mandante”.
Há quinze dias, durante a reconstituição a equipe chefiada pelo delegado Cristiano Augusto Xavier Ferreira divulgou que Bernardo contratou Wellington Martinez para dar fim a sua vida por 20 mil reais e que todo o crime teve a participação de Admardo Antônio, dando suporte às ações e fuga para o rapaz.
O advogado diz que a família de Bernardo também não concorda com a conclusão da polícia. “Na semana seguinte, o delegado chega aqui e fala que foi um rapaz novo que matou e outro que intermediou. Coloca um Espera Feliz e o outro em Manhuaçu. Para que a distância, se os dois agiram juntos?”, questiona Magalhães. “O delegado conseguiu uma coisa inédita: fechar o inquérito com aquela matemática em que 2+3 são 4 e não mais cinco” - ironizou.
Para Reinaldo Magalhães, as críticas da sociedade têm sentido. “Não podemos aceitar isso. Temos que ter um pouquinho de inteligência e bom senso para não concordar. Parece que vieram aqui só para dar uma satisfação e fechar o inquérito. Só que não deu certo”.
Constituído como advogado da família para o caso, Reinaldo diz que já conversou com o delegado e manifestou sua insatisfação. “A reação está havendo. Isso virou chacota com a população”.
Ele deixou claro que não está mexendo com seguro e nem com inventário e sim apenas na questão criminal.
O CAFÉ
No ano passado, em entrevista à Rádio Manhuaçu, Reinaldo Magalhães foi o primeiro a levantar a hipótese de que havia conexões entre a morte de Bernardo e o suposto suicídio de Rogério Gonçalves.
Segundo ele, na morte dos dois e na de Lucenir Schuenker aparecem sempre as mesmas pessoas, café e empresas “laranjas”. “O caso do Bernardo começou em 93. Eu não tinha esses elementos antes, mas agora posso dizer que ele começou a ser morto há 15 anos”, afirmou.
Bernardo veio dos Estados Unidos para Manhuaçu em 1990 e ainda era inexperiente. “Ele veio para a cidade para gerenciar a Sacipan Comércio e Exportação de Café. Acontece que entregou cinco mil sacas de café para uma firma de armazéns gerais guardar, só que a empresa levou o café dele embora. Como o negócio não era explicado, o Bernardo foi mandado embora e a firma fechou em dezembro de 94”.
Entre os documentos, o processo movido por uma empresa de café contra a de armazenagem para apurar o sumiço de 50 mil sacas de café em três dias em 1993. Entre os citados na representação está Rogério Gonçalves.
A questão de Bernardo é também na mesma época. “Ele tinha uma mágoa muito grande com o dirigente da empresa de armazenagem por causa do prejuízo. A vida do Bernardo começou errada nessas cinco mil sacas de café”.
Esse político também figura como uma das pessoas indiciadas pela morte de Lucenir Schwenker, conforme apresentou o advogado através da movimentação do processo criminal que apura a morte do rapaz em 1997.
“São detalhes que se a polícia quiser levar a sério vai começar a ver que essa historia é diferente”, argumentou Reinaldo Magalhães.
QUEIMA DE ARQUIVO
“Lucenir morreu por causa do café. Não foi nada de mulher. Ele sabia muito e foi mais simples eliminá-lo”, afirmou o advogado ao completar que para ele a morte de Bernardo foi mais uma queima de arquivo.
Segundo Magalhães, o oficial de justiça recebia muitas ameaças nos últimos tempos. “Tinha uma divida com um político de Matipó a Santa Margarida. Ele foi levado a um armazém há dois anos e foi ameaçado de morte. Ele tinha que receber 100 mil desse político e só recebeu 10 mil com muito custo”.
Os dez mil reais foram recebidos em junho de 2005 e em dezembro que sofreu a tentativa. Segundo o advogado, a ação da polícia ao vincular os dois fatos é “imaginar coisa sem sentido”.
Dias antes de ser morto, de acordo com Reinaldo Magalhães, Bernardo foi ameaçado por uma pessoa que trabalha no café dentro de um escritório de advocacia em Manhuaçu. “Essa pessoa ainda foi na prefeitura e ameaçou com a esposa do Bernardo que iria matá-lo, se não recebesse 50 mil reais”.
PISTOLEIRO
Durante a entrevista, o advogado deixou claro que Admardo conheceu Bernardo na época em que ele era oficial de justiça. O Admardo é irmão de um outro oficial de Justiça. “Ele se aproximou e induziu o Bernardo a fazer concurso para delegado no Rio de Janeiro. Ele não passou, mas o Admardo não deu mais sossego. Virou uma sombra na vida do Bernardo, que tinha medo dele”.
Magalhães explicou que todas as pessoas mortas pelo Admardo foram com tiros na cabeça e no peito, do mesmo jeito que o crime em agosto. “Foram tiros certeiros que mataram o Bernardo e a policia descartou isso”. Reinaldo acha difícil um rapaz inexperiente, novo e que não tem antecedentes simplesmente confessar tudo. “Justamente um rapaz que estava convivendo com o Admardo na casa dele. Para mim, ele é um bobo da corte”.
O advogado acrescentou ainda que a hipótese não pode ser simplesmente descartada. “Temos um inquérito feito pela Dra. Rosangela Tulher que tem uma conclusão e temos esse outro diferente, desse delegado de Belo Horizonte”.
Ele contou que procurou a delegada e ela deixou claro que tudo estava apurado. Disse que tinha dificuldade na Justiça para obter a ordem de prisão de duas pessoas que são os mandantes (da área de café) e dois que são os executores. “Essas pessoas não foram ouvidas agora”.
Para ele o mais estranho foram as ameaças para que a viúva ficasse quieta: “Logo depois da morte do Bernardo, avisaram à Mônica que não mexesse com a apuração do crime, pois a Receita Federal poderia executar a divida e tomar a casa dela. Porque as ameaças? Se a Receita tinha provas, porque não cobrou na época?”.
LARANJAS
A Polícia Civil informou que há uma execução contra Bernardo por uma dívida de 18 milhões de reais relacionada a sonegação fiscal. Segundo a equipe de Belo Horizonte, documentos e outras provas foram reunidas e passadas para o Ministério Público por conta dos crimes específicos.
O Bernardo recebeu uma firma chamada Pacto, que pertencia ao político que sumiu com as cinco mil sacas de café. “Depois que passou a firma, o Bernardo com esposa grávida e passando dificuldades por ter sido demitido, em 94, não conseguiu mais movimentar na Fazenda Estadual e não tinha notas fiscais”.
Depois dessa laranja, o Bernardo abriu mais duas empresas em nomes de laranjas: a Esmeralda e a Lírio. “Todas com a participação desse empresário daqui”, contou o advogado. Segundo ele, foi aí que surgiu o débito com o cafeicultor de Santa Margarida.
O esquema de sonegação era parecido nos negócios que envolviam Rogério Gonçalves. “O Rogério foi induzido a suicídio em maio de 2007. Como é que podem me dizer que querem apurar alguma coisa, se demoraram quase um ano para apreender a arma, a munição e o celular?”.
A principal testemunha que era o sobrinho do Rogério foi ouvida na presença de um famoso advogado e fez um acerto de próprio punho. O documento apresentado por Reinaldo Magalhães mostra 1.500 sacas de café vendidas para uma exportadora por 346 mil reais. “Às vezes, até a Receita Federal quer saber como é que se sonega em Manhuaçu. Todos os cheques com o nome do sacador em branco e emitidos por empresa laranja ligada ao grupo aqui de Manhuaçu. Esse cheques foram pagos”.
Para o advogado, Bernardo não foi a Manhumirim como mostrado na reconstituição. “Ele foi alertado para não advogar aqui mais, pois tinha uma licença no TJMG. Tinha um negocio que era chamado em Espera Feliz e nunca acabava. Fizeram questão de fazer ele ficar indo para aquele lado, justamente onde foi morrer”.
PRESSÃO
O advogado terminou a entrevista dizendo que vê muita pressão política para que as mortes de Bernardo, Rogério e Lucenir não cheguem à conclusão.
Ele também considera que é preciso entregar os casos para a Polícia Federal. Magalhães ainda alertou: “Têm que apurar isso rigorosamente. Se não apurarem, qualquer um poderá ser a próxima vitima. Tem que ter mais do que coragem e está na hora. Documentos temos demais”.
Carlos Henrique Cruz - 17:19 - 27/06/08 - portalcaparao@gmail.com