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Política

Prefeito faz churrasco com verba destinada às crianças

21/11/2008 - Atualizado em 23/11/2008 12h12

Dá para imaginar uma cidade onde a prefeitura compra uísque, cerveja, cachaça, energéticos, vinho, carvão e carne de churrasco para um programa de assistência a crianças de baixa renda? Esta é a denúncia que está sendo investigada pelo Ministério Público Estadual (MPE) de Caratinga (sede da comarca) em Vargem Alegre, município de 6,5 mil habitantes, a 295 quilômetros de Belo Horizonte, no Vale do Rio Doce.

O caso teria ocorrido em junho, mas só veio à tona nesta semana, depois que a ex-funcionária da mercearia em que a prefeitura adquiriu os produtos Fabiana de Souza Neves, de 19 anos, entregou aos vereadores da cidade as notas de solicitação de compras assinadas pelo prefeito reeleito Neudmar Ferreira campos (PDT).

Fabiana esteve quarta-feira no MPE, em Caratinga, acompanhada do vereador Vicente de Paula Melo (PR) e do advogado Elio Marcos da Silva, para fazer a denúncia. Ela entregou ao promotor de Justiça Daniel Batista Mendes duas notas de compras assinadas pelo prefeito. Na primeira, destinada à Secretaria Municipal de Agricultura, foram adquiridos na Mercearia Sapão, no Centro da cidade, além de sucos, refrigerantes e água, uísque, cerveja e energético. A compra, realizada em 27 de junho, custou aos cofres da prefeitura R$ 884, 67.

Na segunda nota, desta vez destinada ao Programa de erradicação do trabalho infantil (Peti), do governo federal, também foram comprados na mesma mercearia carne para churrasco, carvão, tempero, cerveja, cachaça, foguetes e vinho. A nota é de 10 de julho e também consta a assinatura do prefeito.

Fabiana disse que só tomou a decisão porque, logo depois das eleições, pediu ao prefeito a compra de medicamento para a mãe, que tem depressão. “Ele se recusou a prestar apoio dizendo que a prefeitura não tinha dinheiro para arcar com essa situação. Quando percebi o descaso dele com a população, resolvi exercer meu direito de cidadã e denunciar o que acontecia de errado na administração”, afirmou.

Ameaça

Na época em que foram feitas as compras, Fabiana era balconista da mercearia. Três dias depois de levar as notas que comprometiam a administração, ela foi demitida do trabalho. “O prefeito pressionou o meu patrão para tomar tal atitude. Não me arrependo de nada, mesmo porque tenho a consciência limpa de que estou fazendo o correto”, diz a ex-funcionária, que teme por represálias na cidade. “Algumas pessoas já me procuraram e disseram que não era para eu ter feito isso, porque alguém poderia me pegar”, lembra.

As notas foram apresentadas em forma de denúncia na Câmara Municipal pelo vereador Vicente de Paula, que pediu investigação. “Como somos minoria na Câmara, esse assunto não foi adiante, mas não posso deixar, como fiscalizador do município, que esse tipo de coisa aconteça com o nosso dinheiro”, alerta.

O promotor Daniel Batista Mendes disse que a denúncia será investigada e, se comprovadas as fraudes, o prefeito responderá por crime de improbidade administrativa, podendo perder suas funções, ter suspenso o direito político por até 10 anos, além de multas correspondentes a três vezes o valor do prejuízo causado aos cofres públicos. O dono da mercearia foi procurado pela reportagem, mas não foi encontrado para comentar o assunto. 

Notas em branco teriam gerado erros

Depois de trabalhar três anos na mercearia, Fabiana diz que as compras “suspeitas” não são casos isolados na prefeitura. Ela sustenta que a emissão de notas da administração, solicitando cerveja e carne para churrasco, acontecia “às vezes”, mas que se tornou mais intensa durante a campanha eleitoral. “Não eram todas as solicitações de compras da prefeitura que passavam pelas minhas mãos. Mas notas como essas que estou entregando ao Ministério Público já ocorreram outras vezes, isso posso assegurar. Achava estranho, mas vendia mesmo assim”, afirma.

A reportagem do Estado de Minas esteve na Prefeitura de Vargem Alegre, mas o prefeito não foi encontrado para falar sobre o assunto. A informação da chefe-de-gabinete, Cláudia Alves de Azevedo, era de que Neudmar estaria em Belo Horizonte.

Cláudia atribui as denúncias à rivalidade política na cidade. De acordo com ela, a ex-funcionária da mercearia apoiou, durante as eleições, a candidatura de Marcos Rodrigues Costa (PSB), principal adversário do prefeito, que foi reeleito por uma diferença de 522 votos.

Sobre as notas de solicitação de compras da prefeitura, Cláudia alega que o prefeito tinha o costume de deixar requisições assinadas em branco para serem usadas em casos de emergência quando estivesse em viagem. Com relação à primeira nota, referente às compras destinadas à Secretaria de Agricultura, a chefe-de-gabinete diz que foi “falha” da prefeitura, já que a compra foi exigência dos produtores de duas bandas, nacionalmente reconhecidas, que exigiram a mercadoria no camarim.

“O prefeito não estava na cidade e, quando tomou conhecimento disso, mandou cancelar a cobrança no setor financeiro da prefeitura e arcou sozinho com as despesas exigidas pelas bandas”, defende.

Já na segunda nota, destinada ao Peti, Cláudia afirma que a funcionária do setor de compras errou ao pôr o nome do programa como destino da encomenda. A compra, segundo ela, seria para uma festa com os funcionários da administração.

“O prefeito mandou cancelar a nota da prefeitura e pagou com dinheiro do próprio bolso. Na verdade, são dois erros que já estão provocando mudanças na prefeitura”, garante Cláudia. Ainda de acordo com ela, depois do erro, o prefeito parou de assinar notas em branco e decidiu afastar a funcionária do setor de compras que emitiu as solicitações, até que o caso seja investigado.

Daniel Antunes - Estado de Minas  - Fotos Carlos Eller - 21/11/08 - 08:10

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