LAJINHA (MG) – Reduzir as emissões de carbono já não é suficiente para assegurar que o aquecimento global se limite a 1,5ºC. É preciso remover o CO2 da atmosfera, em maior quantidade e mais rápido, de acordo com o relatório mais recente do IPCC.
Uma das tecnologias consideradas mais promissoras para sequestro de carbono é o biochar, um carvão vegetal ativado feito a partir de resíduos agrícolas.
Em vez de serem queimados ou apenas devolvidos à lavoura, cascas, caroços e troncos passam por um processo sob altas temperaturas, sem oxigênio, que solidifica o carbono e dá origem a um material utilizado para a correção do solo.
Uma vez aplicado, além de ser um estoque do gás poluente por centenas de anos, esse carvão vegetal funciona como uma esponja porosa e contribui para melhor retenção de água e nutrientes nas plantações.
Foi neste cenário que a NetZero, startup com sede em Paris, viu a oportunidade de investir no Brasil e inaugurou, nesta quinta-feira, a primeira planta do tipo no país. De início, o foco está nas cascas de café no interior de Minas Gerais.
“A estimativa é que consigamos processar 16 mil toneladas de biomassa por ano aqui em Lajinha, o que daria cerca de 4 mil toneladas de biochar”, diz o cofundador da NetZero e CEO da NetZero Brasil, Pedro de Figueiredo. Outras duas plantas, em Minas Gerais e no Espírito Santo, devem ser construídas ainda neste ano.
Segundo ele, a cada tonelada de biochar, entre 1,5 t e 2 t de CO2 são removidas da atmosfera.
Em fevereiro, a startup captou € 11 milhões, numa rodada que contou com investimentos da Stellantis Ventures, da multinacional fabricante de automóveis, e do fundo de regeneração da natureza da L’Oréal.
Lixo de um, tesouro do outro
Com seus 20 mil habitantes, e quase na fronteira com o Espírito Santo, Lajinha foi escolhida por sua localização nas Matas de Minas, segunda maior região produtora de café no Estado.
Depois de seco, metade do peso do fruto do café é polpa – que ainda será processada e torrada até chegar à sua xícara – e metade é casca.
Na Fazenda Amado Fonseca, com 70 hectares destinados ao café, a colheita vai de meados de maio ao fim de agosto. Com produção média de 40 sacas/ha, ao fim do período, são pilhas e pilhas de cascas sem destino útil. Mesmo com parte distribuída pela lavoura como insumo para adubar o solo, a quantidade de resíduo é um problema.
“A gente precisa separar dez trabalhadores para ficarem uma ou duas semanas tirando as cascas da pilha e distribuindo pela plantação”, diz Roger Fonseca, da família proprietária. “Quando chove, a gente tem que correr para não deixar espalhar, porque polui o solo e dá mau cheiro”.
A fazenda é uma das 380 produtoras associadas à Cooperativa dos Cafeicultores da Região de Lajinha (Coocafé) que estabeleceram uma parceria com a NetZero. “Ao todo, somos 10 mil produtores em 90 municípios”, afirma Pedro Araújo, diretor de produção e comercialização da Coocafé.
A startup passará a recolher as cascas de café de produtores parceiros e usar como sua matéria-prima. Em troca, o produtor receberá 50% do biochar que for feito a partir de suas cascas e terá prioridade para comprar o restante próximo ao preço de custo.
O biochar deve aumentar a produtividade das lavouras, com aumento da retenção de água em 300% e possibilidade de cortar em 30% a aplicação de fertilizantes. As estimativas são da NetZero.
Diminuir o uso de fertilizante é interessante do ponto de vista econômico e ambiental. Para os Fonseca, por exemplo, ele representa um terço dos custos, em um país que importa a maioria esmagadora da substância e se viu sujeito à alta exacerbada de preços em meio à guerra entre Rússia e Ucrânia. Ele é também uma das principais fontes de emissão de CO2 na produção agrícola.
Energia e créditos de carbono
O Brasil é o segundo país que recebe a marca NetZero. O projeto-piloto foi feito em Camarões no ano passado, mas produz metade da quantidade de biochar prevista para a planta mineira anualmente – levantada em seis meses com R$ 20 milhões.
Entre os desafios para a produção do biochar estão os equipamentos, a necessidade de biomassa em grande quantidade e funcionamento 24 horas por dia.
Com o cálculo médio de aplicação de 5 toneladas de biochar por hectare, o custo para o produtor também pode ser uma barreira.
A NetZero promete produzir o carvão vegetal entre 5 e 10 vezes mais barato para o consumidor final que na Europa, já que parte da receita virá também da energia elétrica gerada no processo de produção e de créditos de carbono.
Para produzir o biochar, as cascas do café são colocadas por 20 minutos em um aparelho onde ocorre a pirólise, como é chamada a degradação da biomassa em altas temperaturas e sem a presença de oxigênio.
Com pausas mensais previstas para manutenção preventiva, o aparelho é reacendido à base de diesel. Dali em diante, pelas próximas quatro semanas, é o calor resultante do próprio processo que gera energia elétrica renovável e o mantém funcionando. A energia excedente vai para a rede.
O diferencial da NetZero é a venda de créditos de remoção de carbono, que seguem os padrões da Puro.earth, uma certificadora especializada em soluções de sequestro de gases de efeito estufa.
A escolha pela Puro.earth e não por certificadoras maiores como a Verra se deu por conta de sua expertise e da maior rapidez na certificação, que acompanha o ritmo de crescimento da empresa, explica o cofundador e diretor-geral da NetZero, Olivier Reinaud.
O banco de investimentos Rothschild & Co e o Boston Consulting Group (BCG) – onde o pai de Olivier e cofundador da NetZero, Axel Reinaud, foi executivo por mais de 20 anos – estão entre os clientes que fecharam acordos de longo prazo pelos créditos.
No índice de certificados de remoção de carbono por biochar, da Puro.earth em parceria com a Nasdaq, cada crédito equivale a € 174 – um crescimento de quase 40% em comparação há um ano. É um valor muito superior ao que negociam outros tipos de crédito.
Por Ilana Cardial / Capital Reset