REDAÇÃO (MG) - Netas, filhas, mães, sobrinhas e esposas, as mulheres têm presença cada vez mais ativa e protagonista no campo. Apesar disso, ainda são minoria em um setor dominado por homens. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 31% das propriedades rurais no país eram comandadas por mulheres em 2022. Se, por um lado, as inovações no campo tornam o trabalho braçal cada vez mais dispensável, por outro, o perfil de liderança das mulheres e o apoio de entidades representativas, como o Sebrae Minas, aceleram a sucessão feminina nas fazendas.
Dulcineia Prado mantém uma tradição que rende frutos há três gerações. À frente do Sítio Fortaleza, em Luisburgo, na região das Matas de Minas, ela produz cafés especiais na companhia do marido, e engenheiro agrônomo Daniel Prado e de suas duas filhas. Hoje, aos 47 anos, ela é proprietária da Dulce Maria Cafés Especiais, marca certificada pelo selo internacional Rainforest Alliance, em 2021. Na ocasião, a iniciativa – que valoriza a sustentabilidade nas fazendas – garantiu à família R$ 20 a mais por saca de café.
Vice-presidente da IWCA Brasil, Dulcineia assumiu a administração do Sítio Fortaleza há 27 anos, depois de perder o pai, sair para estudar fora e retornar para substituir os irmãos no controle do negócio. “Na época, a sucessão feminina na cafeicultura ainda era um tabu. Então, assim como outras mulheres, saí para estudar. Mas a vontade de continuar o legado do meu pai era maior. Digo que não escolhi a cafeicultura, foi ela que me escolheu.”
A liderança da produtora de Luisburgo se estende à vice-presidência da Associação de Mulheres do Café da Região das Matas de Minas e Caparaó (AMUC). “Fiquei muito feliz ao perceber que não estava sozinha na cafeicultura, mas cercada por outras mulheres com histórias inspiradoras. Sempre fizemos o operacional no pós-colheita, fundamental nas fazendas. Agora, mostramos que somos capazes de fazer a gestão total da propriedade”, orgulha-se.
Dulcineia considera que a associação entre a presença da IWCA Brasil e a expertise do Sebrae Minas tem contribuído para profissionalizar as lavouras sob gestão feminina. “Essa parceria fortalece a cadeia de valor do café ao destacar a indicação geográfica do nosso produto, melhorar a gestão, aumentar a rentabilidade e nos mostrar que as propriedades também são empresas”, salienta.
Filhas do Agro
A combinação entre transição profissional e sucessão familiar dá tempero à história de Marília Censoni. A fisioterapeuta abandonou uma carreira de dez anos para arrendar parte da fazenda dos pais. “Deborah Cordeiro e Joice Appelt, fundadoras da Associação Filhas do Agro (AFA), convidaram sucessoras rurais para compartilhar o que aprenderam na Academia de Liderança de Mulheres do Agronegócio (Alma). Minha jornada no agro começou após esse convite”.
Formalizada em 2020, com o apoio do programa Sebrae Delas e da Associação dos Produtores Rurais e Irrigantes do Noroeste de Minas Gerais (Irriganor), a AFA surgiu para germinar a força feminina no agronegócio por meio de formações técnicas.
Com o apoio do Sebrae, Deborah e Joice conseguiram oferecer uma trilha de aprendizado para 30 mulheres da região, iniciada em outubro de 2020. “Atravessamos a pandemia de Covid-19 estudando para nos tornarmos líderes no agronegócio. O Sebrae nos preparou sob os aspectos de gestão, liderança, finanças, inovação e cooperação – e ainda nos prepara com cursos, eventos e consultorias.
Sementes do futuro
Mais maduras e preparadas, as Filhas do Agro seguem formando sucessoras na região. A produtora Renata Martini, de João Pinheiro, representa a terceira geração de uma família com raízes no campo. “Eu me formei em Odontologia e me especializei em Endodontia. Montei meu consultório e atendi até pouco antes de minha filha Liz nascer. Foi quando a pandemia explodiu. Não sabia o que me esperava quando fui surpreendida pelo convite do grupo Filhas do Agro.”
A AFA motivou Renata a seguir os passos do avô e do pai, iniciando uma transição de carreira pouco provável. “A oportunidade de fazer parte dos negócios da família surgiu. Então, deixei a carreira na área da saúde e me aprimorei no agro. Ao lado do meu pai, meu maior professor, assumi a gestão financeira da VPM Agropecuária e a gestão ambiental da Mesapec. Mas foi a confiança das Filhas do Agro que me moveu ao novo. É lindo ver tantas produtoras rurais se apoiando e dividindo suas dores, conquistas e desafios”, diz.
Formada em Sistemas da Informação, com MBA em Gestão de Pessoas, a cafeicultora Mariselma Sabbag encontrou no campo a chance de transformar a sua vida e a de outras tantas mulheres. Na fazenda herdada do pai, em Conceição da Aparecida, no Sul de Minas, a CEO da Café Renovo produz grãos verdes e torrados, drip coffees e cápsulas. Fora da propriedade, ela trabalha para fortalecer a cafeicultura feminina, ao adquirir parte da produção de empreendedoras locais.
Mãe de três filhos, Mariselma também é líder do Comitê de Agronegócio do Grupo Mulheres do Brasil, presidido por Luiza Trajano, e presidente do capítulo brasileiro da Aliança Internacional das Mulheres do Café (IWCA, em inglês). Presente em 35 países, a IWCA nasceu do encontro de mulheres da indústria do café dos Estados Unidos com produtoras da Nicarágua. Atualmente, atua na promoção da sustentabilidade nas lavouras e na formação de mulheres.
No Brasil, a organização se divide em dez subcapítulos, cujas líderes conectam produtoras locais a outras mulheres na busca por soluções para o setor.
Produtora há 24 anos, Mariselma defende maior diversidade de gênero no campo. Não por acaso, presta consultorias sobre equidade de gênero e participa há 12 anos da IWCA Brasil, acompanhando a ascensão de outras colegas. “Quando fortalecemos uma mulher, também a incentivamos a sentir-se dona daquele local e protagonista de sua história. Hoje, as associadas da IWCA estão cada vez mais preparadas para gerir desde o plantio até a comercialização”, destaca.
Adaptado da Revista Sebrae MG